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  • Foto do escritorBárbara Zambelli

Armas e minas

Atualizado: 24 de fev. de 2021

Em novembro do ano passado, eu e Talita escrevemos um texto na revista #3 d’a_Ponte chamado “o paradoxo da essencialidade”, questionando a essencialidade de cada tipo de mineração e de como ela é feita hoje em dia. Antes de atirarem pedras: não estamos defendendo o fim da mineração. Entretanto, levantamos algumas questões: Qual o tipo de minério que está sendo minerado? Para suprir quais demandas? A que custo (social, ambiental, energético)?

E ainda: Quem se beneficia com a mineração? E quem são as vítimas criadas por essa atividade?


Levanto essas questões aqui novamente porque, dia 12, na noite da sexta-feira de carnaval, o presidente Jair Bolsonaro editou 4 novos decretos que facilitam ainda mais o acesso da população às armas e ampliam o limite de aquisição de munições. Como resultado, cada cidadão pode ter em sua casa até 6 armas registradas, tudo legal. Se quiser saber mais sobre como essas mudanças jurídicas representam riscos para a democracia, para os direitos humanos e a para segurança pública, sugiro ouvir o episódio dessa semana do podcast Entretanto, com a Laura Carvalho, Prof. de Economia da USP, e Renan Quinalha, Prof. de Direito da Unifesp.


Mas o que que a facilitação do acesso a armas tem a ver com a geologia?


Arte gráfica: Bárbara Zambelli.


Antes de chegar propriamente na geologia, gostaria de chamar a atenção para a cadeia de produção e venda de armas. A chamada indústria armamentista (também conhecida como indústria bélica ou militar) é a responsável pela fabricação e venda de armas, munições, equipamentos (como navios e aviões) e tecnologia militar. Em 2019 (dado mais recente disponível no levantamento do SIPRI) o gasto militar global superou os 1,9 trilhões de dólares, tendo o maior aumento da década. No mesmo período, o Brasil contribuiu com 1,4% desse total (o valor em reais é R$106,27 bilhões), ficando na 11ª posição no ranking internacional (onde os Estados Unidos lideram com uma larga vantagem). Esse valor corresponde a 3,9% de todos os gastos do governo. Colocando em escala: o valor gasto com a indústria armamentista é quase 5X maior do que os investimentos em educação e pesquisa (somados) em 2019. O comércio clandestino de armas, que fomenta, há décadas, conflitos no Oriente Médio, é a 3ª atividade mais lucrativa do capitalismo contemporâneo. Produzir máquinas de guerra gera lucro. Não à toa, desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA seguem liderando a corrida armamentista, e, coincidentemente (ou não), tiveram participação em golpes de Estado e no assassinato de lideranças sociais da África, Ásia e da América Latina.


O presidente atual foi eleito com um discurso armamentista - promessa de campanha que ele vem cumprindo eximiamente. De acordo com uma reportagem do Valor Econômico, somente durante o primeiro semestre de 2020, a demanda por armas de fogo cresceu 105% em relação ao mesmo período de 2019. A Taurus (maior fabricante de armas do Brasil) avalia que o mercado vive seu melhor momento. E olha que essa declaração foi em setembro do ano passado! E não é pra menos. Suas ações saltaram de R$2 em janeiro de 2018 para mais de R$18 reais na cotação de 12/02/21.


De volta à geologia: para a produção de armas, cartuchos e equipamentos militares são utilizados uma vasta gama de minerais metálicos (ferro, níquel, cromo, tungstênio, alumínio, nióbio, zinco, manganês), minerais não-metálicos (carbono, molibdênio, enxofre, sílica, fósforo) e plástico. As ligas e combinações variam de acordo com a finalidade de uso, podendo garantir maior resistência, leveza e durabilidade. Isso sem mencionar os minerais utilizados em equipamentos tecnológicos (como o ouro e o cobalto em circuitos e o lítio em baterias). Todos esses minerais, antes de se tornarem equipamentos de guerra, precisam ser minerados.


A mineração de alumínio, por exemplo, tem um consumo intenso de energia (são necessários 17.000kWh de eletricidade para se produzir 1 ton de alumínio). A amazônia brasileira combina a ocorrência de jazidas de alumínio a um grande potencial hidroelétrico. Como é possível produzir energia na região a um baixo custo econômico (porém alto custo ambiental e social), o Brasil se consolida como um grande produtor desse metal. Porém, não podemos nos esquecer que, em 2018, a Hydro (empresa norueguesa que explora alumínio na região) despejou rejeitos tóxicos da mineração diretamente no rio Murucupi, contaminando o rio e igarapés, e afetando mais de 40.000 pessoas na região, entre elas comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas.


Sobre a mineração de ferro, recomendo uma leitura da revista conexão de saberes #3. O cobalto é um caso bastante complexo, porque mais da metade do suprimento global desse metal vem de zonas em guerra da República Democrática do Congo. O lítio já desencadeou um conflito geopolítico envolvendo o Elon Musk e as eleições na Bolívia. O nióbio a gente já sabe, né… Cada mineral tem sua especificidade, tanto de ocorrência, extração, valores e utilizações. Mas a produção de conflitos nos territórios onde uma jazida de minério ocorre se repete.


Que a mineração é essencial atualmente, não há dúvidas. Mas, será que, ao invés de fomentar a indústria armamentista, que é uma indústria de morte, não deveríamos estar focados em alternativas que nos garantam mais tempo de vida? Não deveríamos focar na pesquisa e exploração minerais estratégicos, que são críticos para o desenvolvimento de energias limpas para uma transição energética? Que tal implantar plantas de reciclagem e utilizar um design de produtos que permitam que uma economia circular de metais realmente seja aplicada? Ou então desenvolver soluções para as centenas de barragens de rejeito existentes em nosso território? Ainda, será que não deveríamos estar planejando uma saída pós-extrativista, na qual nossa economia não fosse extremamente primarizada dependendo da exportação de commodities para alcançar o tão sonhado superávit na balança comercial?


Então, finalmente, lhes pergunto:

  • Se a exploração mineral causa conflitos e mortes no campo [além da destruição ambiental deixada pra trás];

  • Se o Brasil é o país que mais mata ativistas ambientais no mundo;

  • Se a juventude negra do nosso país é assassinada diariamente nas cidades pela violência policial;

  • Se o número de homicídios vem aumentando com a flexibilização do acesso a armas;

Quem está realmente mais seguro com mais armas em circulação?


[SPOILER: Não são os povos da floresta, nem os ribeirinhos, nem as populações tradicionais, nem os indígenas, nem os quilombolas, nem os assentados, nem as mulheres que convivem com a violência doméstica, muito menos as mães que precisam se certificar que seus filhos não estão brincando com armas de fogo. Também não são os fiscais do trabalho que atuam em áreas rurais. Eu, como geóloga que atuo em campo, me sinto muito mais insegura. Como mulher que caminha a noite, sinto medo. Quando estou parada no sinal, só o pensamento de ser abordada à mão armada me apavora. Nem o Sérgio Moro tá feliz com essa.]


Pelo site www.naosomosalvo.com.br você pode enviar e-mail pressionando os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) a barrar os retrocessos no controle de armas e munições no país.



Bárbara pode ser contatada pelo email ba.zambelli@gmail.com, está nas redes sociais como @taiobarbara.

Sobre a autora, acesse aqui.


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