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  • Foto do escritorTalita Gantus

Capitalismo dependente e seus reflexos no campo e na cidade

Atualizado: 7 de abr. de 2021

No momento de sua dominação e formação colonial, a América Latina foi convertida em uma colônia de exportação de produtos agrícolas (plantation) - café, cana de açúcar, cacau - e de extração metaleira - ouro, gemas. A constituição de suas cidades obedeceu, num primeiro momento, aos interesses imediatos do colonizador. Mais tarde, com a Independência e a consolidação de uma economia nacional primário-exportadora, o crescimento das cidades deu-se, praticamente, sobre uma urbanização organizada pelo servilismo à [antiga] metrópole.


Você pode ler sobre o caso da cidade de Ouro Preto aqui e aqui.


No entanto, o cenário não sofreu mudanças radicais com a proclamação da República, em 1889 - que se deu em paralelo (e interseccionada) à luta pela abolição da escravatura, em 1888. A começar pela conferência que organizava os republicanos: homens, brancos, latifundiários e escravocratas, em sua maioria. Esse é o caso de Rui Barbosa, responsável por dar um fim aos arquivos que subsidiariam a história do tráfico de escravizados de África, e que nomeia várias ruas e praças no Brasil afora.


Com a industrialização brasileira e seu desenvolvimento regionalizado e desigual, construiu-se uma nova hierarquização urbana em âmbito nacional. Herdamos do colonizador um modelo de cidades voltado para interesses internacionais, com uma estrutura para exportação de bens primários (commodities), que pouco tem a ver com nossas necessidades concretas enquanto sociedade.


O que se estabeleceu aqui, desde sempre, é o que Florestan Fernandes chama de capitalismo dependente, periférico. O subdesenvolvimento, portanto, é uma condição dos países capitalistas periféricos, os quais existem para atender as demandas dos países capitalistas centrais. Essa relação, por sua vez, baseia-se na dependência econômica e na desigualdade social, que organizam estruturalmente a sociedade nos países colonizados.


Nesse texto, vou trabalhar as duas bases estruturais das sociedades capitalistas periféricas - a dependência econômica e a desigualdade social - a partir da produção do espaço urbano e da produção no espaço rural.


A urbanização no Brasil, em maior ou menor grau, deu-se em função da atividade econômica (indústrias, fábricas, portos, etc.), ou de um fator político forte (Brasília, Rio de Janeiro, por exemplo). Logo, precisou-se de mão de obra trabalhadora para construir a cidade, ou para desempenhar as atividades naquele lugar que, posteriormente, virou uma cidade (extração de ouro em Ouro Preto, de diamante em Diamantina). Como afirma Milton Santos, “a história de cada nação é a história da sucessão das formas de produção e da distribuição social e territorial das tarefas”. A cidade é o lugar por excelência de reprodução da força de trabalho.


Mas, para que a reprodução simples do trabalho possa ser realizada (a tarefa pela qual você é paga para executar), é necessária uma reprodução ampliada (por exemplo, o caminho que você percorre para chegar ao trabalho, a sua alimentação, o cuidado com as crianças e com a casa em que você mora, etc.). Ou seja, além de a grande maioria da sociedade, nos países periféricos, ser explorada pelo trabalho que desempenha, ela precisa criar as condições para exercer aquele trabalho, passando por situações das mais adversas.


Feira de alimentos durante operação de guerra do exército no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Marcas da segregação sócio-espacial, já que essas operações acontecem apenas em favelas e periferias. (Foto: Bruno Itan)


Feira de alimentos durante operação de guerra do exército no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Marcas da segregação sócio-espacial, já que essas operações acontecem apenas em favelas e periferias. (Foto: Bruno Itan)


A reprodução ampliada não depende apenas do seu salário, mas necessita de um tempo para execução e também de políticas públicas para que seja de acesso amplo e universal. Por exemplo, garantia de mobilidade urbana de qualidade, oferta de trabalho bem remunerado descentralizado para reduzir o fluxo migratório pendular da periferia, escolas e creches nos bairros para que as mães consigam trabalhar e adquirir independência financeira - necessidade que, muitas vezes, as colocam reféns da violência doméstica. Essa é uma questão crucial da luta social urbana da atualidade - atividades econômicas desiguais geram cidades desiguais.


Há luta de classes na cidade. Existe uma ampla bibliografia acerca dessa temática dentro das ciências urbanas: o problema não se resolve apenas com distribuição de renda ou do salário. Porque mais salário não compra transporte coletivo, nem uma boa localização, não paga o aumento no preço do feijão, porque tudo isso fica mais caro. A reprodução da vida fica mais cara. Aumento salarial é absorvido pelo aumento do custo da cidade. Ninguém vive só dentro de casa. E, mesmo para que você esteja isolada em casa no cenário atual (se é essa sua condição nesse momento), é preciso que grande parte da cidade e do campo estejam funcionando.


Segundo Ermínia Maricato, existe um conjunto de capitais que têm interesse específico na produção do espaço urbano, por meio do qual se reproduzem obtendo lucros, juros ou rendas. Os capitais que ganham com a produção e a exploração do espaço urbano agem em função do seu valor de troca. A cidade é feita mercadoria. Isso gera uma especulação imobiliária que divide a cidade em várias e que fomenta a segregação sócio-espacial, pois as políticas públicas que as pessoas acessam dependem de qual bairro elas moram.


Aceita-se que os trabalhadores empobrecidos ocupem áreas de proteção de mananciais, encostas suscetíveis aos deslizamentos, regiões de várzea que inundam, mas não se aceita que eles ocupem áreas valorizadas pelo mercado. Aceita-se que eles vivam aglomerados, em casas sem banheiro, sem acesso à saneamento básico, mas não se aceita que prédios que não exerçam a função social designada pela Constituição Federal sejam ocupados. O que existe no Brasil é o que Lúcio Kowarick chama de apartheid social de nossas cidades. Porque não se vive a cidade plenamente, não se vive o direito à cidade.


As pessoas não se sujeitam porque querem a 6, 8 horas diárias no trânsito, em um transporte coletivo precário, que funciona em horários escassos. As populações nas periferias não são excluídas do centro urbano, são levadas à exclusão, ou ao que Milton Santos chama de exílio na periferia. Elas são levadas a essas condições pela lógica de produção e reprodução desiguais que configuram o espaço urbano. Até porque, como afirma Doreen Massey, o espaço não existe por si só, ele é produzido pelas relações sociais. E muitos desses espaços já funcionam sem a presença do Estado, como é o caso de comunidades, como em Paraisópolis, que se organizaram para combater a covid-19.


Outro fator que contribuiu para uma urbanização caótica no Brasil foi o êxodo rural das décadas de 1950 a 1970. Segundo Wilson Cano, a manutenção do atraso agrícola em certas áreas conviveu com a modernização agrícola em outras. A mão de obra do campesinato foi substituída pela mecanização desse setor produtivo - aliás, o setor primário NÃO é o que mais emprega no Brasil. A lógica do desenvolvimentismo, bastante fomentada no final da segunda era Vargas e durante a ditadura de 1964, transformou o Brasil em um país majoritariamente urbano de maneira abrupta.


A terra ocupa lugar central na nossa sociedade. Os poderes social e econômico sempre estiveram associados à detenção de patrimônio: o patrimonialismo. Uma pequena minoria é “dona” da grande maioria das terras no Brasil, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas.


Essa situação de desigualdade econômica pelo patrimonialismo serve para atender à outra característica levantada por Florestan: a dependência econômica. Um exemplo é agronegócio no Brasil, que não produz alimento, produz commodities para exportação. Afinal, o que responde ao fato de 21% do PIB brasileiro ser movimentado pelo agronegócio - sendo esses produtos majoritariamente soja e cana de açúcar - e que 5,2 milhões de brasileiros sofram diariamente com a insegurança alimentar?


Grandes propriedades de latifundiários somam apenas 0,91% do total dos estabelecimentos rurais brasileiros, mas concentram 45% de toda a área rural. Em contrapartida, no Brasil, 74% da força de trabalho é empregada pela agricultura familiar. No mundo, 70% dos alimentos vêm da agricultura familiar. A verdade é que se o campesinato não planta, a cidade não janta.


Armazém do Campo, Rio de Janeiro. Loja de distribuição dos produtos produzidos pelo MST. (Foto: Bárbara Zambelli)


Quais podem ser as alternativas para se viver em uma relação simbiótica com o planeta, associando as demandas entre campo e cidade?


Como exercício, gostaria de deixar as seguintes reflexões:

  • À quem a produção de commodities serve?

  • Quem fica com o lucro dessa produção e para onde ela é escoada?

  • Quem produz o alimento que vai para o seu prato?

  • Como esse alimento sai do campo e chega na cidade?


Leia o poema 'A cidade estanca, a cidade estrofe' de Talita clicando aqui.


Acesse o site www.talitagantus.info e leia mais. Talita também está no instagram como @gantustalita e pode ser contactada pelo email tgantus@gmail.com


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