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Capitalismo e mudanças climáticas
Atualizado: 7 de abr. de 2021
Você já parou para pensar como o modo de vida capitalista nos trouxe ao nosso hoje? E qual a conexão dessa lógica mercadológica e de reprodução social com as mudanças climáticas?
Neste texto, trago uma breve perspectiva histórica da espoliação capitalista das nações desenvolvidas sobre as nações do Sul Global. Além disso, trago também informações sobre o aquecimento global e como se dá o seu entendimento. Por fim, falarei sobre as proposições para protegermos a nossa saúde e bem-estar em um cenário de mudanças climáticas.

Nanning - China. O país é o líder mundial de emissões de gases do efeito estufa
(Foto: Bárbara Zambelli)
Em 1896, o cientista sueco Arrhenius previu o aquecimento do planeta Terra devido à queima de carvão mineral. Tendo uma visão bastante otimista sobre essa questão, ele indicou que o clima seria mais uniformemente distribuído na Terra, com temperaturas amenas nas regiões polares. Ele também pontuou que, devido a esse aquecimento, as regiões agricultáveis se expandiriam, o que beneficiaria toda a humanidade.
Talvez, o que Arrhenius não tenha levado em conta ao pensar e escrever sobre isso diz respeito aos impactos físicos e sociais do modo de vida e produção capitalista, e em como ele forjaria a busca desenfreada por geo-recursos. O industrialismo, atuante na época em que Arrhenius deu estas declarações, já mostrava que um Estado só enriquecia em detrimento de outros,- como há de ser a lógica de valorização e desvalorização para acumulação de capital, já descrita por Marx no século XIX e analisada por David Harvey atualmente. Desse modo, as colônias do Sul Global funcionaram como provedores de matéria-prima, tal qual durante o Mercantilismo, fornecendo um exército de mão-de-obra para manter as benesses de uma elite privilegiada.
Globalmente, o crescimento econômico, anunciado pelos bancos internacionais e pelos chefes de Estado como desenvolvimento, se deu juntamente a um incremento na qualidade de vida e na saúde de grande parte dos grupos populacionais desde o início do século XIX. Porém, esse crescimento foi concomitante a um aumento das desigualdades. Os países capitalistas centrais, ou PCC’s, (aqueles do Norte Global) conquistaram maior expectativa de vida muito antes das nações ditas em desenvolvimento (Sul Global), especialmente quando comparadas com as nações localizadas na África Sub-saariana. Ou seja, a implementação da lógica capitalista de espoliação de riquezas pelos PCC’s foi crucial para acelerar seus ganhos em qualidade de vida explorando os países capitalistas periféricos (PCP). Ainda, o modelo desenvolvimentista não somente privou estas nações empobrecidas de acessarem seus próprios recursos, como também deixou sequelas físicas e socioeconômicas nestes territórios e em suas populações.

Expectativa de vida de alguns países e continentes, no período de 1800 a 2015.
(Fonte: Gráfico modificado a partir dos dados disponíveis em Our World in Data)
Os impactos físicos deixados nessas nações ainda são feridas abertas em um povo marcado pela vulnerabilidade histórica, como Joana Morais bem pontuou em seu texto. Agora, muitos destes impactos começam a ser sentidos globalmente, e não somente nos territórios expropriados. Isso por que vários dos recursos naturais extraídos e utilizados no processo industrial possuem como resultado de seu processo produtivo e de seu uso os gases intensificadores do efeito estufa. Inclusive, vale ressaltar que os países mais poluidores de gases estufas são em grande parte países desenvolvidos, com elevada atividade industrial e agropecuária, e países periféricos com alto índice de desmatamento e queimadas.
Apenas um parênteses aqui: cabe mencionar que os gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O), metano (CH4) e vapor d'água (H2O) são componentes naturais na atmosfera terrestre. O efeito estufa também é um efeito natural e fundamental para todos os seres vivos, pois permite que a Terra tenha uma temperatura média de cerca de 15°C. Se ausente este efeito, a temperatura global seria cerca de -18 °C, o que inviabilizaria ou dificultaria profundamente o surgimento e a manutenção da vida. Também ressalto que existe uma variação natural na concentração destes gases ao longo do tempo, especialmente se levarmos em conta o tempo geológico, que é medido na escala de milhares, milhões e bilhões de anos, que pode ser observada na próxima figura.

Concentração atmosférica de CO2 durante os últimos 800.000 anos, obtida em testemunho de gelo. (Fonte: Our World in Data)
Feitas essas considerações sobre os gases estufa, levanto o seguinte questionamento: se esses gases mencionados acima são naturais e variam naturalmente, existe mesmo um aquecimento global que tem como agente indutor o ser humano?
A resposta para essa pergunta é sim e a explicação para ela reside exatamente na porção à direita do gráfico, próximo onde se encontra o ano de 2018. Se observarmos esse gráfico como um todo, os picos não ultrapassam o valor de 300 ppm (300 partes por milhão, que é uma notação da concentração de CO2 na atmosfera) e os vales não ficam abaixo de cerca de 170-180 ppm. Essa é a variação natural da concentração de CO2 nos últimos 800 mil anos. Entretanto, quando se analisa a parte mais recente desse gráfico, fica evidente a ascensão da curva para além de 400 ppm. Essa rápida ascensão é devida ao acúmulo dos gases estufa na atmosfera, especialmente o CO2, proveniente da queima de combustíveis fósseis em atividades industriais, uso doméstico, agricultura e transporte, como o carvão, o petróleo e seus derivados e o gás natural. Além disso, justifica-se atribuir tal feito ao ser humano devido a taxa, a velocidade com que essa curva ultrapassa os 300 ppm e atinge os 400 ppm. As "subidas" dos vales em direção aos picos nesta curva é bastante rápida, porém, não se iguala ao trecho atribuído à atividade antrópica. Vale ressaltar aqui que nem todos os povos devem ser culpabilizados pelo aquecimento global, uma vez que uma pequena minoria de ricos e beneficiados pelo sistema capitalista impõe sobre a maioria que este modelo econômico é mais importante do que a vida. Talita Gantus escreveu um texto bem interessante abordando esta temática.
Existindo, portanto, acúmulo de gases que contribuem diretamente para o efeito estufa, o que se espera e se constata é o aumento da temperatura atmosférica. Esse aumento da temperatura é chamado de aquecimento global, que conta com medições diretas da concentração de CO2 na atmosfera desde a década de 1950 e com registros indiretos de testemunho de gelo que datam dos últimos 800 mil anos, como visto acima. O aumento da temperatura e a concentração elevada de CO2 impactam a Terra diretamente, causando aumento do nível dos mares, derretimento das calotas polares, eventos climáticos extremos mais frequentes, desertificação, migrações em massa, insegurança alimentar e hídrica, agravamento de doenças, surgimento de vetores infecciosos, entre outros. Nos próximos textos, abordarei detalhadamente alguns desses impactos físicos e a consequência deles para nós seres humanos, assim como para o planeta como um todo.
Visto que são diversos os efeitos causados pelo aquecimento global e que eles terão impacto direto na saúde e no bem-estar das pessoas, como podemos lidar com essa questão?
De acordo com McMichael & Lindgren (2011), o grande modificador dos impactos das mudanças climáticas na saúde é o comportamento humano, e isso inclui as políticas desenvolvidas para nos proteger. Dessa forma, existem três caminhos que podem nos levar a cenários mais e menos graves de adequação às mudanças climáticas a partir de ações desempenhadas por nós:
Utilização de políticas de adaptação e ação que protejam a saúde das pessoas;
Por meio da mitigação, como a redução das emissões de gases estufa;
Por meio de co-benefícios para a saúde, obtendo ganhos para a saúde a partir da união de políticas favoráveis ao clima e ao comportamento individual.
As políticas de adaptação seriam responsáveis por contornar os problemas sociais e de saúde das pessoas que se já encontrariam comprometidas. A mitigação induziria a uma atenuação do efeitos das mudanças climáticas na Terra, o que beneficiaria a todos. Já a implementação de políticas públicas de mitigação, por exemplo, a partir da mudança do uso de combustíveis fósseis para uma matriz de energia limpa, associadas a mitigações individuais, como uso de bicicleta ao invés de carro, podem nos conduzir a um cenário mais brando de impactos globais. Este cenário mais otimista de forte atenuação dos efeitos das mudanças climáticas contaria, portanto, com as políticas de co-benefícios.
Também é importante deixar claro que as ações individuais, mesmo que associadas a estas políticas de mitigação, não serão totalmente suficientes para conter o avanço da emergência climática. As ações coletivas neste caso serão fundamentais para mudar algo estrutural como o capitalismo.
Sendo assim, deixo o questionamento final: quais são as atitudes individuais e coletivas que podemos tomar ou organizar para evitar um cenário desastroso das mudanças climáticas? Existem pessoas/organizações/governos das quais podemos cobrar alguma ação ou planejamento? Quem você acredita que seriam as pessoas mais afetadas?
[Nota da editora: Esse artigo expressa a opinião pessoal do autor. Essas opiniões não necessariamente refletem um posicionamento oficial d’a_Ponte]

Edgar do Amaral Santos é curioso de mundo desde que se entende por gente. É graduado em Engenharia Geológica pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestre e doutorando em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fascinado pela evolução do universo e da Terra, decidiu pesquisar a Termocronologia em cinturões de montanhas e crátons. Também busca entender mais sobre as Mudanças Climáticas e seus impactos físicos e sociais. Gosta de trilhas, cachoeiras, fotografia, arquitetura e está aprendendo a fazer pães. É Mineiro e ama bolo de fubá!