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Desastres induzidos?
Atualizado: 7 de abr. de 2021
Durante o triênio 2006, 2007 e 2008, foi comemorado o Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT), proclamado pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2006 e apoiado por 191 países. Partindo de uma ideia que surgiu durante a realização do 31° Congresso Internacional de Geologia, na cidade do Rio de Janeiro em 2000, o AITP tinha dois objetivos principais: “demonstrar o grande potencial das Ciências da Terra na construção de uma sociedade mais segura, sadia e sustentada;” e “encorajar a sociedade a aplicar este potencial mais eficientemente, em seu próprio benefício”.
Como instrumento de divulgação da iniciativa no Brasil, a Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) publicou o livro As Ciências da Terra e sua importância para a Humanidade: A Contribuição Brasileira para o Ano Internacional do Planeta Terra, abordando dez grandes temas, selecionados por um grupo de 20 cientistas do mundo com base em sua relevância para a sociedade. Os temas são: águas subterrâneas; (mega)cidades; clima; crosta e núcleo terrestres; desastres naturais; oceanos; recursos naturais (minerais) e energia; solos; terra e saúde (geologia médica); terra e vida. E um destes temas me chamou a atenção: desastres naturais.
Desastres, por natureza e definição, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, são eventos que resultam “(...) em uma séria interrupção do funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, afetando seu cotidiano, envolvendo simultaneamente, perdas materiais e econômicas, assim como danos ambientais e à saúde das populações, através de agravos e doenças que podem resultar em óbitos imediatos e posteriores”.
O capítulo 3 deste livro traz um artigo intitulado Desastres Naturais: situação mundial e brasileira, escrito por Eduardo Soares de Macedo e colaboradores, que faz uma revisão sobre alguns dos principais desastres socioambientais (tempestades, vulcanismo, tsunamis, inundações e deslizamentos) ocorridos no mundo e no Brasil. Desastres esses ocorridos por processos induzidos, ou seja, causados pela aceleração dos fenômenos naturais por conta da influência humana, como por exemplo, a deflagração de deslizamentos, inundações, desertificação, entre outros. Mas e hoje, 12 anos depois, será que podemos ainda empregar o mesmo termo?
De 2008 pra cá, muita coisa mudou. O rompimento de barragem do Fundão, em Mariana, ocorrido em novembro de 2015, contaminou a bacia hidrográfica do Rio Doce desde sua nascente até sua foz, deixando, ainda, 19 pessoas mortas e 1 desaparecida. E apenas 4 anos após o desastre na região de Mariana, outro rompimento, agora em Brumadinho, na barragem de Córrego do Feijão, contaminou a bacia do Rio São Francisco (o 5° maior rio do Brasil e um dos mais importantes cursos d’água da América do Sul), deixando um número de óbitos humanos que ultrapassa 300.

Rompimento barragem do Fundão, Mariana, MG, 2016. (Foto: Julia Pontes)
Em junho de 2019, o derramamento de óleo na costa atlântica brasileira atingiu cerca de 2 mil quilômetros do litoral das regiões nordeste e sudeste do Brasil, contaminando praias, mangues, corais e estuários. Estima-se que foram recolhidos 4,5 toneladas de óleo pesado, apenas no nordeste. Esses são apenas alguns dos grandes desastres socioambientais que vêm ocorrendo nos últimos anos no Brasil (sem falar nas queimadas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, nos parques nacionais e nas unidades de conservação que assolam o país nos períodos de seca todos os anos). Seriam esses desastres realmente induzidos, ou são produzidos pelo ser humano (visto que esses insumos estavam sendo manipulados pelo próprio homem quando ocorreram os desastres)?
O atual modelo socioeconômico dicotomiza o ser humano em relação à natureza, colocando-o a parte do meio ambiente. Os interessados apenas na possibilidade de extração dos recursos para acumulação de riqueza percebem a Terra como [seu] recurso, como um meio para extrair lucro. Esse sistema de exaustão dos recursos naturais se consolida dentro da lógica de produção e reprodução capitalista, que postula a possibilidade de lucro infinito sobre uma quantidade finita de recursos. Entretanto, para que a verdadeira mudança ocorra, deve-se, no mínimo, reconhecer que a vida na Terra é insustentável se o meio ambiente estiver degradado.
E vale ressaltar, também, que o momento atual, no que se refere à questão socioambiental, é reflexo de uma série de ações e decisões tomadas no passado. Encontramo-nos num ponto em que necessitamos urgentemente reduzir os impactos dessas ações que nos foram deixados como legado e trabalhar sob o enfoque da prevenção e da precaução para que não repitamos as mesmas falhas do passado. E podemos ir mais além, caso queiramos soluções que sejam, de fato, sistêmicas, buscando a mudança de comportamento, de pensamento e de percepção do planeta em que vivemos, ou seja, uma mudança de paradigma.
No texto de 2008, os autores já alertavam para desafios futuros: “...muito ainda está por ser feito em termos técnico-científicos para proteger a vida de nossas populações, ainda mais com as mudanças climáticas que afetarão, e muito, a ocorrência dos desastres naturais”. Tenho minhas dúvidas se eles projetavam um futuro até 2020 como o que estamos construindo.
[Nota da editora: Esse artigo expressa a opinião pessoal do autor. Essas opiniões não necessariamente refletem um posicionamento oficial d’a_Ponte]

Caio é Técnico em Geologia, Geólogo e Espeleólogo. Apaixonado pelas ciências e desde sempre interessado pelas questões socioambientais, vem desenvolvendo desde os tempos de técnico estudos voltados para a caracterização, uso e ocupação do meio físico. Atualmente realiza estudos geotécnicos para o ramo das energias renováveis no Nordeste do Brasil. Caio também é autor do livro Microtexturas em Rochas Ígneas.