Bárbara Zambelli
Geologia Urbana e Planejamento Subterrâneo
Atualizado: 7 de abr. de 2021
Por mais inovador que possa parecer, a ideia de urbanização subterrânea - que começou na França - hoje já tem mais de 150 anos! Mas por que é tão importante pensar em urbanização subterrânea nos dias atuais? Não se engane, ela vai muito além dos metrôs e túneis.
Segundo o relatório da ONU de 2017, a população mundial atual de 7,6 bilhões deverá atingir 8,6 bilhões em 2030 e 9,8 bilhões em 2050. Combinado ao crescimento populacional está o aumento constante da urbanização. O percentual de pessoas que vivem em áreas urbanizadas passou de 34% em 1960 para mais de 55% em 2018. Nesse sentido, alocar essa população crescente nas áreas urbanas está se tornando cada vez mais desafiador. A expansão territorial das cidades é limitada por fatores naturais, como relevo (presença de rios e montanhas, por exemplo), por áreas de proteção ambiental e por áreas destinadas à produção agrícola. Combinados a esses fatores, o aumento do preço da terra e os avanços tecnológicos na área de escavação vêm tornando a urbanização subterrânea uma opção cada vez mais plausível e viável, econômica e ambientalmente.
Quando se trata do Brasil…
Após pesquisar em diferentes bancos de dados sobre o tema, pouca informação foi encontrada. No entanto, duas teses de doutorado chamaram minha atenção. A primeira é intitulada “Geologia Urbana da Região Metropolitana de São Paulo”, de 1998. Esta tese apresenta uma descrição geológica da área, seguida pela história da urbanização da maior cidade brasileira. O autor dedica apenas um capítulo à “Geologia Urbana”, onde destaca a importância do conhecimento geológico, geomorfológico, geotécnico e hidrogeológico no processo de urbanização. Nesse trabalho, ele mapeou as zonas potenciais para deslizamentos de terra e inundações na região metropolitana de São Paulo. Embora essa tese traga luz ao debate sobre a relação entre geologia e planejamento urbano, foi classificado no campo da ‘geologia sedimentar’.
A segunda tese foi escrita por uma planejadora urbana, em 2009, e se intitula "Urbanismo subterrâneo: argumentos éticos para o uso e a ocupação do solo". A autora apoia a ideia de adensamento populacional das cidades a partir de uma expansão ‘para baixo’, permitindo que diferentes atividades se sobreponham. Ao fazer isso, o uso do solo é maximizado sem a necessidade da construção de arranha-céus. Seu trabalho não encontrou restrições urbanísticas, econômicas ou tecnológicas para o uso e ocupação do subsolo nas cidades.
Em 2019, publiquei, juntamente com uma equipe multidisciplinar, um capítulo de livro que traz ferramentas, conceitos e abordagens do planejamento urbano inteligente para a transformação digital dos territórios. Nele, abordo a questão da geologia urbana e da urbanização subterrânea como uma opção que deve ser levada em consideração pelos planejadores e gestores territoriais ao pensarem sobre as ‘cidades do futuro’.
No cenário internacional...
Um exemplo bastante relevante vem de 2007, quando foi lançado o projeto Deep City (Cidade profunda, em tradução livre), uma parceria entre os governos da Suíça e da China.
“A Deep City fornece um quadro estratégico para analisar as sinergias e conflitos entre os recursos subterrâneos no processo de planejamento urbano, a fim de alinhar a urbanização subterrânea com o paradigma de desenvolvimento sustentável.”
[Leia mais aqui, aqui e aqui].
Os recursos subterrâneos foram divididos em quatro tipos: espaço, geomateriais (agregados para construção), águas subterrâneas e energia geotérmica (utilizada para geração de energia ou aquecimento e resfriamento de construções). Dessa forma, a urbanização subterrânea cria novas alternativas de transporte, infra-estruturas de serviços públicos, novas fontes de recursos minerais e energia térmica renovável.
A cidade chinesa de Suzhou foi escolhida como projeto piloto, com base em sua maior pontuação no índice de "aplicabilidade da Deep City", em relação à Pequim, Nanjing, Suzhou, Xangai. Os autores do projeto reuniram as práticas mais desejáveis sobre gerenciamento e administração de recursos subterrâneos já utilizados em Helsinque (primeira cidade do mundo a elaborar um Plano Diretor para Urbanização do Subsolo), Cingapura, Hong Kong, Montreal, Minneapolis, Tóquio e Xangai para serem usadas como referência.

Vista do Victoria Harbor, em Hong Kong, o 4º país no ranking de densidade populacional do mundo
Após analisar vários fatores como riscos geológicos, espessura do solo, vazão de aquíferos, preços da terra em áreas comerciais, tipos de uso da terra, etc., os autores ressaltaram que o uso sustentável e a gestão integrada do subsolo somente será possível se todos os departamentos da cidade trabalharem juntos na tomada de decisões. O planejamento urbano do subsolo é uma tarefa complexa e multidisciplinar, e, para tanto, requer também uma equipe de trabalho multidisciplinar, composta por geocientistas, arquitetos, urbanistas e engenheiros, bem como membros dos governos locais e nacionais.
Caso a urbanização subterrânea fosse mais utilizada nas grandes cidades do mundo, isso poderia contribuir com a otimização do uso da terra, impulsionar a utilização de energias renováveis, melhorar a mobilidade urbana e a infraestrutura de serviços públicos. Dessa forma, auxiliar na promoção do desenvolvimento territorial sustentável e no alcance de alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, como os ODS 6, 7, e 11.
O campo é realmente vasto e aberto e há muitas oportunidades para explorar!
Texto originalmente publicado em https://blogs.egu.eu/network/gfgd/2017/10/31/barbara-zambelli-azevedo-urban-geology-and-underground-urbanisation/, no dia 31 de outubro de 2017
Bárbara está no twitter e instagram como @taiobarbara e pode ser contactada pelo email ba.zambelli@gmail.com