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Habitar a casa em modos da quarentena

Atualizado: 15 de jul. de 2020

Qual o significado de proteção? Para uns, a casa! Para outros, seu corpo. A casa por muito tempo tem se mostrado como instrumento de casulo para um sono leve e tranquilo, após um dia exaustivo de trabalho. Ela emana o sentido de privado, fechado, território de poder uno. Sendo assim, ela tem se mostrado um dos fenômenos de destaque nessa pandemia. O apego pelas inúmeras “romantizações” de “fique-em-casa”, viralizou nas redes sociais.


Precisamos falar para além dessa casa que flutua tranquilamente pelas materialidades impostas de planejadores, que consistem em dizer as obrigatoriedades que uma casa deve ter. Re-existem os que não possuem uma “casa” assim como manda o figurino capitalista.


Casa de madeira e palha, com um único cômodo. Zona rural de Canaan dos Carajás, Pará. (Foto: Bárbara Zambelli)


A casa, para muitas e muitos, é apenas o que lhe cobrem do pescoço acima. Ela, a casa, para tantas e tantos são levadas com o vento, sopradas pelos vendavais em dias de tempestade. Ela ainda pode ser um abrigo, debaixo de algo que poucos conseguiriam morar ou, ela, é uma mansão, chácara, pode vir a ser até um sítio. Ela é resistente assim como seu habitante, ela é extensão do corpo que a habita. A casa pode ser extensividade do corpo, assim como o corpo tem possibilidade de ser extenso pela casa. O habitar se aflora pelo morar-junto-a.


O lema “estar-em-casa” e “fica-em-casa” emerge da possibilidade naturalizada de nossa sociedade em que todos os seres que habitam o mundo possuem uma casa como mandam os símbolos da representação sob o padrão urbanístico: “sala, quarto, banheiro, cozinha e lavanderia”, o mínimo. No entanto, para aquelas famílias onde tudo isso se compacta em um cômodo apenas, a situação se agrava e a ocorrência de atritos e conflitos não mais tardiamente chegam, e o resultado disso nós já sabemos.

Habitar a casa se torna uma invariável constante, os temperamentos individuais estão à flor da pele, e, nesse sentido, a casa pode vir a ser o espaço do conflito, sendo ao mesmo tempo o espaço de refúgio. A casa pode vir a ser a rua ou o viaduto, o habitar está longe de ser naturalizado pelas generalizações de poderes regulatórios.


Habitar a casa em modos de quarentena passa ter outro significado para alguns, que agora passam a dividir as tarefas e a dialogar sobre isso. Porém, nem sempre as coisas andam como a gente planeja ou gostaria, por exemplo, em meio a esse vírus que se alastra escancaradamente no solo mundial, lidar com o Outro (Outro no sentido de extensão daquilo que não sou, mas sendo o que sou) se torna um desafio lapidar nesse habitar. Os casos de violência contra a mulher no estado de São Paulo aumentaram em 30% neste período de quarentena. A casa se espraia como um espaço da intimidade, onde os movimentos dos habitantes se erguem a partir do entorno dessa casa.


Desse modo, habitar a casa em modos de quarentena significa a possibilidade empática de lidar com as pluralidades dos modos de casa, é ponderar que as minhas inquietações são distintas de várias outras, pois estamos inseridos num modelo homogêneo de sociedade. Habitar nesse momento é muito mais que apenas morar, e sim, conectar-se com o que tem, é resistir ressignificando o sentido de casa. É um maior zelo pelo seu corpo em extensão do que apenas possuir uma visão egocêntrica de um mundo idealizado.


[Nota da editora: Esse artigo expressa a opinião pessoal do autor. Essas opiniões não necessariamente refletem um posicionamento oficial d’a_Ponte]




Tiago Rodrigues Moreira é professor e especialista em Geografia, mestrando do programa Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas pela Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, localizada em Limeira-SP. Se interessa pelo conhecimento de vida das pessoas, questões que circundam a sexualidade e estudos de gênero, fenomenologia, corporeidade, liberdade, riscos e vulnerabilidade. É membro do Grupo de Pesquisa Geografia e Contemporaneidade (UFF), do Grupo de Pesquisa Geografia e Fenomenologia (Unicamp), do Grupo de Pesquisa Geografia Humanista, Arte e Psicologia Fenomenológica (GHUAPO-UFVJM) e do Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultural (GHUM-UFF). O que o move é o desejo de fazer ciência a partir do conhecimento de mundo.


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