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O complexo exercício de futurologia dos modelos climáticos

Atualizado: 14 de set. de 2020

A principal questão que surge quando se fala em mudanças climáticas é sobre o quão quente a Terra ficará caso a concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera dobre em relação aos níveis pré-industriais. Entretanto, para obter uma estimativa desse parâmetro e qual o impacto dele no futuro, é necessário compreender as diversas interações entre cada componente do planeta Terra, como a concentração de gases estufa na atmosfera, a presença de mantos de gelo, o funcionamento das correntes oceânicas e da circulação atmosférica, a cobertura de nuvens, as formas de captura de carbono, dentre diversos outros fatores. A partir disso, os cientistas climáticos criam modelos computacionais para reproduzir o clima terrestre, fornecendo resultados que estejam dentro de um intervalo confiável estatisticamente. Os intervalos confiáveis estatisticamente são estimativas por intervalos que podem variar de amostra para amostra e que visam dar confiabilidade ao resultado obtido.


Praia de areia preta ao lado do Jökulsárlón, lago glacial na Islândia, localizado ao sul da geleira Vatnajökull (maior massa de gelo da Europa). (Foto: Bárbara Zambelli)


Observando apenas alguns dos parâmetros listados acima, percebe-se como eles abrangem diversas áreas do conhecimento, o que torna esta tarefa de elaborar um modelo climático extremamente interdisciplinar, logo, bastante complexa. Para compreender como os componentes da Terra interagem, é importante explicar um termo comumente utilizado pelos cientistas, que é a retroalimentação (feedback). A retroalimentação ocorre quando o resultado de um sistema retorna ao próprio sistema como parâmetro inicial formando um ciclo ou looping, podendo a retroalimentação ser positiva ou negativa.


A retroalimentação positiva ocorre quando o produto final de uma ação no sistema causa maior produção dessa ação. Um exemplo de retroalimentação positiva é o aumento da temperatura, causando maior evaporação de água (vapor d'água). O vapor d'água retém calor e faz com que a temperatura aumente, produzindo mais vapor d'água, e assim por diante.


Já a retroalimentação negativa causa o efeito contrário, isto é, o produto final de uma ação no sistema faz com que o sistema diminua a própria ação. Por exemplo, se a atmosfera tem mais CO2 e está mais quente, mais água (ou vapor d'água) estará disponível para as plantas consumirem, crescerem e se multiplicarem. Porém, quanto mais as plantas crescem, mais CO2 elas removem da atmosfera, diminuindo a temperatura e gerando menos vapor d'água. Por outro lado, a presença de mais plantas implicam em maior quantidade de vapor d'água gerado por transpiração, ou seja, as plantas são mecanismos de retroalimentação positiva e negativa.


Mata Atlântica. Pedra Bonita, Espírito Santo. (Foto: Talita Gantus).


É exatamente por conta desses efeitos positivos e negativos que a tarefa de criar modelos climáticos robustos se torna tão difícil, uma vez que um efeito pode ser positivo em um sistema, mas negativo em outro, como nos exemplos acima que levaram em conta a temperatura, o vapor d'água e as plantas.


Retornando à questão dos modelos climáticos, o primeiro modelo proposto foi desenvolvido por Charney e colaboradores, em 1979, que contribuíram com a estimativa de aumento de temperatura de 3ºC ± 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais quando a concentração de CO2 na atmosfera atingir 560 ppm (partes por milhão). Isso significa que esse aumento de temperatura de 3ºC não era daquele momento, em 1979, mas calculado para um cenário futuro, no qual a concentração de gás carbônico na atmosfera seria o dobro dos níveis pré-industriais (de 280 para 560 ppm).


Os principais mecanismos que retroalimentam positivamente o aquecimento da atmosfera, estabelecido pelos autores deste estudo, foram:

  • Aumento da absorção de radiação termal na superfície da Terra, que leva a um aumento de temperatura na troposfera (a troposfera é a camada da atmosfera em que nós vivemos, com cerca de 12km a partir da superfície da Terra);

  • O aumento de temperatura é acompanhado pelo aumento de umidade, que absorve fortemente a radiação terrestre.


Também foram analisados os mecanismos de retroalimentação negativa, como o aumento de nuvens baixas e médias, que refletem a luz solar, mas absorvem o calor terrestre. A principal incerteza do estudo, segundo os autores, estava na quantidade de calor transferido para os oceanos. Para eles, os mecanismos negativos não são tão fortes quantos os positivos, o que os levou a concluir que haverá um aquecimento considerável da atmosfera. Nas palavras dos autores [em tradução livre]:


"Para resumir, nós tentamos, mas não conseguimos encontrar quaisquer efeitos físicos negligenciados ou subestimados que poderiam reduzir o aquecimento global atualmente estimado devido a duplicação da concentração do CO2 atmosférico para proporções insignificantes ou para revertê-los completamente."


Ou seja, em 1979, autores já postulavam que um considerável aquecimento da Terra era provável. Desde então, alguns modelos foram criados tentando estreitar essa grande faixa de variação de temperatura – também chamada de sensibilidade climática – de 1,5 a 4,5ºC.


Nesse sentido, no mês de julho de 2020, um grupo de 25 cientistas que atuam junto ao Programa Mundial de Pesquisa do Clima (WCRP), de diferentes universidades e áreas de atuação, publicou um estudo no conceituado periódico Reviews of Geophysics que aprimora o entendimento sobre a complexidade entre estes componentes climáticos. O estudo também tem como resultado um estreitamento da sensibilidade climática provável entre 2,6 e 3,9ºC (diminuindo de 3 para 1,3°C a janela de variação).


As três principais linhas de pesquisa adotadas neste estudo foram (1) as tendências indicadas pelo aquecimento global contemporâneo; (2) uma atualização da compreensão dos efeitos de retroalimentação positiva e negativa que aceleram ou retardam o aquecimento global; e (3) conhecimento sobre climas antigos.


As tendências de aquecimento atuais indicam um aumento de 1,1ºC desde o início dos registros, ainda no século XIX. Caso essa tendência de crescimento se mantenha, os autores observaram que a projeção de aquecimento atingiria a parte inferior dos valores que eles estabeleceram, ou seja, cerca de 2,6ºC em um cenário que considera sempre o dobro da concentração de CO2 atmosférico em relação à pré-industrialização. Entretanto, nas observações dos últimos anos, ficou claro que o planeta não se aquece uniformemente, e que porções do Oceano Pacífico Leste e do Oceano Antártico estão aquecendo muito lentamente se comparados ao Oceano Ártico, por exemplo. Com o aquecimento das águas, provavelmente haverá um estímulo à formação de nuvens nessas regiões, levando a absorção de calor, e induzindo ao aumento de temperatura - nestas regiões e globalmente.


A segunda linha de pesquisa que Sherwood e colaboradores analisaram foi a revisão dos efeitos retroalimentadores individualmente, tanto os largamente conhecidos, como o aquecimento decorrente do vapor d'água, quanto alguns menos famosos, como a presença de nuvens e suas características, que podem esquentar ou esfriar o planeta a depender de como elas refletem a luz solar e absorvem calor (próxima foto).


Os autores observaram que a altura do topo das nuvens tropicais tendem a aumentar com um planeta mais quente e isso, em conjunto com diversos outros fatores, previne o planeta de irradiar sua energia extra, gerando um efeito positivo de aquecimento.


As nuvens de regiões tropicais tem sido foco de diversos estudos nos últimos anos para que os modelos climáticos reproduzam com maior confiabilidade o clima da Terra. (Imagem captada por Jody Davis, disponível no Pixabay)


Por fim, o terceiro parâmetro que balizou este modelo climático foi obtido a partir da observação de registros de climas pretéritos, sendo um deles do pico glacial há 20.000 anos e outro de cerca de 3 milhões de anos, que indica uma concentração de CO2 semelhante aos valores atuais. A análise destes climas antigos foi necessária para se entender melhor sobre a sensibilidade climática em períodos nos quais o clima era mais frio ou mais quente.


Após feitas as análises, os cientistas agruparam os dados e geraram um modelo robusto, que forneceu a estimativa mencionada anteriormente, em um intervalo com 66% de confiança. Para um intervalo com confiança superior, de 90%, a sensibilidade climática possível varia de 2,3 a 4,7ºC.


Observando os dados e pesquisas aqui relatados de forma muito simplificada, é possível perceber que modelar o clima é uma tarefa complexa que demanda qualificação profissional diversificada e tempo de investigação.


A principal mensagem que fica bastante evidente nestes casos analisados (bem como observando as estimativas já feitas em outros estudos) é a seguinte: "é altamente improvável conter o aquecimento do Planeta em patamares inferiores a 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, como estipulado pelo Acordo de Paris".


Dessa forma, podemos nos questionar: quais são os impactos físicos, sociais, ambientais e econômicos que um aumento de, no mínimo 2ºC, na temperatura média da Terra pode causar? Para saber a resposta dessa pergunta, eu te convido a acompanhar a série de textos que publicarei aqui n'a_Ponte tratando dos principais efeitos – causas e consequências – das mudanças climáticas.


Também fica o convite para a leitura de três textos aqui do blog d'a_Ponte:


[Nota da editora: Esse artigo expressa a opinião pessoal do autor. Essas opiniões não necessariamente refletem um posicionamento oficial d’a_Ponte]




Edgar do Amaral Santos é curioso de mundo desde que se entende por gente. É graduado em Engenharia Geológica pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestre e doutorando em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fascinado pela evolução do universo e da Terra, decidiu pesquisar a Termocronologia em cinturões de montanhas e crátons. Também busca entender mais sobre as Mudanças Climáticas e seus impactos físicos e sociais. Gosta de trilhas, cachoeiras, fotografia, arquitetura e está aprendendo a fazer pães. É Mineiro e ama bolo de fubá!


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