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  • Foto do escritorBárbara Zambelli

O valor da geoética

Atualizado: 7 de abr. de 2021

O que estamos vivendo agora é um momento bastante incomum na história: o enfrentamento da pior pandemia do século. Porém, seus impactos não atingem toda a população ao mesmo tempo ou com a mesma magnitude, como a Talita já escreveu nesse texto. Enquanto alguns lugares seguem no lockdown, ou seja, paralisação total, outros já começaram a se abrir novamente. A Nova Zelândia, como um caso de sucesso, eliminou completamente o vírus de seu território. Por outro lado, o Brasil se destaca como o epicentro da América Latina, detendo o segundo maior número de mortes no mundo, atrás apenas dos EUA. Nesse contexto, uma pergunta surge em minha mente quase todos os dias: "como será o mundo pós-pandemia?"

Área densamente povoada, em Hong Kong (Foto: Bárbara Zambelli)


Eu tenho lido que a Terra está ficando “mais verde”, as emissões de gases de efeito estufa caíram, o consumo de carvão despencou, os preços do petróleo caíram como nunca visto antes, os animais estão voltando às ruas das cidades em confinamento, as pessoas estão sendo mais solidárias e empáticas - tudo como sinais que o planeta está se recuperando de nossos impactos. No entanto, por muito tempo (até março de 2020, quando a pandemia começou), saqueamos o planeta, extraindo seus recursos minerais finitos como se fossem infinitos, queimando combustíveis fósseis imprudentemente, falhando na gestão adequada dos recursos hídricos e poluindo nossos rios e solos, apenas para citar alguns exemplos.


Aqui cito a Prof. PhD Angélica Freitas Silva:

Isso é uma percepção ética: como produzimos a vida, bem como a importância da influência das vidas coletivas na vida individual, subjetiva. A capacidade de produzir e reproduzir vida é hierarquizada, evidenciando o gradiente entre viver uma vida plena e sobreviver. O sistema ético em que vivemos trivializa a exaustão das vidas de alguns para que outras possam, de fato, ser produzidas e reproduzidas. A hierarquização de pessoas, ecossistemas, e conhecimentos propicia que certo sujeito ético prevaleça sobre os outros. (...)

Esse é um sistema ético de exaustão, que deixa claro que precisamos de uma mudança ética.” [grifo meu]


Trazendo de volta às geociências: nós, como geocientistas, sabemos o tempo que levou para o petróleo e os minérios se formarem (milhões de anos) e entendemos a natureza não renovável da maioria dos georrecursos. Também conhecemos bem o conceito de exaustão. Além disso, é importante destacar que nem a riqueza gerada pela exploração nem as externalidades negativas causadas por ela são distribuídas uniformemente na sociedade e nos territórios.


Aqui, podemos entender como “externalidades negativas” toda a gama de problemas ambientais, além de crescente violência, desigualdade e conflitos sobre o acesso a recursos vitais, como água, alimentos e terra.


O mundo não vai mudar para melhor se não mudarmos nossa maneira de produzir e reproduzir a vida. Todos os sinais positivos vistos no ambiente desaparecerão se simplesmente “voltarmos ao normal”. É urgente pensar sobre transição energética, economia circular, mineração responsável voltada para a demanda social, adaptação às mudanças climáticas, segurança hídrica e soberania alimentar para todos. Precisamos de uma mudança ética.


Cuidar do meio ambiente impedindo o desmatamento também significa proteger-nos de uma nova pandemia, uma vez que três quartos dos patógenos emergentes que infectam os seres humanos saltaram dos animais, muitos deles habitantes das florestas que estão sendo cortadas e queimadas para criação de campos agrícolas extensivos, incluindo plantas de biocombustíveis, criação de gado e plantação de soja para exportação (commodity), para mineração (muitas vezes ilegal, como bem pontuado pela Joana nesse texto) e para habitação.


Agora, retomando à pergunta que levantei no começo deste artigo: como será o mundo pós pandemia? Como geocientista, eu diria que devemos refletir sobre os valores que sustentam nossos comportamentos e práticas, já que nossas atividades interagem diretamente com o Sistema Terra. Ao fazer isso, ficaremos mais conscientes sobre nosso papel social e responsabilidades na condução de nossas atividades, dessa forma nos preparar melhor para o “pós-pandemia”. É disso que trata a geoética.


As geociências são fundamentais para o desenvolvimento sustentável e a cooperação internacional. E a principal abordagem para conectar as geociências com os grandes desafios interdisciplinares enfrentados no mundo hoje é através da análise das conjunturas social, econômica e política. Precisamos abraçar as inovações das ciências sociais, como fazemos com as tecnológicas. Precisamos nos preparar para participar de diálogos com diferentes atores e formuladores de políticas, bem como encontrar maneiras de estarmos presentes, ouvir, aprender e participar ativamente de debates multi e transdisciplinares.


Precisamos de uma mudança para uma "ética da abundância". Isso significa realmente cuidar e valorizar o meio ambiente, os ecossistemas e as diferentes formas vida, construindo uma sociedade mais justa e equitativa e um futuro mais resiliente às mudanças climáticas - já que demandará tempo até a reversão desse cenário e, portanto, precisamos estar preparados.


“Se pudéssemos mudar a nós mesmos, as tendências no mundo também mudariam. Quando um homem muda sua própria natureza, a atitude do mundo muda em relação a ele. ... Não precisamos esperar para ver o que os outros fazem.”

Mahatma Gandhi



Bárbara está no twitter e instagram como @taiobarbara e pode ser contatada por e-mail em ba.zambelli@gmail.com


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