Autores
Redescobrir o Brasil
Atualizado: 7 de abr. de 2021
Você provavelmente sabe que nosso país leva o nome de uma árvore: Caesalpinia echinata ou pau-brasil. Árvore levada daqui durante séculos no que caracterizou a primeira atividade econômica desenvolvida pelos colonizadores.
Espécie de tronco espinhoso e de qualidade tintorial (vermelha). Aqui você encontra um pouco mais sobre ela. Vou utilizar o espinho e o vermelho para retratar as características que julgo relevantes para este texto. Ou melhor, contexto.
Refiro-me aqui a um país amigável, terra de samba e pandeiro: que “tira a mãe preta do cerrado”.
Talvez no quilombo Kalunga era onde ela gostaria de estar. Lugar atualmente ameaçado pela invasão de grileiros, pelo avanço do agronegócio, pela mineração ilegal e pela pesca predatória.

Dona Eva, quilombola na comunidade Kalunga da Diadema. Sítio histórico que abriga o patrimônio cultural Kalunga na Chapada dos veadeiros. (Foto: Victor Miraglia)

Dona Eva, quilombola na comunidade Kalunga da Diadema. Sítio histórico que abriga o patrimônio cultural Kalunga na Chapada dos veadeiros. (Foto: Victor Miraglia)

Dona Benedita, quilombola na comunidade Kalunga da Diadema. Sítio histórico que abriga o patrimônio cultural Kalunga na Chapada dos veadeiros. (Foto: Victor Miraglia)

Quilombo Kalunga. (Foto: Arthur B. Senra)
É espinhoso tratar do vermelho sangue feminino, negro e biodiverso.
É necessário dizer que falamos de uma ex-colônia latifundiária, monocultural, escravagista e patriarcal descoberta na era moderna capitalista. E quem diz isso é a turma Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Mas além do passado, até o momento vivemos esse país.
Grosfoguel, em seu texto Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global, nos diz que para se concretizar um mundo transmoderno pluriversal, de projetos ético-políticos múltiplos e diversos que visa a existência de uma comunicação verdadeira e um diálogo horizontal entre todos os povos, faz-se necessário transformar os sistemas de exploração e dominação da matriz vigente de poder colonial, de um sistema-mundo capitalista/patriarcal/moderno/colonial.
Então, faz-se necessário transformar o Brasil. Ou seria revolucioná-lo? Quem sabe isso será possível se permitirmos a mãe preta viva, sem filhos assassinados e aonde quiser estar - cerrado, pantanal, caatinga, pampa, mata atlântica ou amazônia.
Não é de hoje que se naturaliza a violência diária nesse país tropical. Agressão provavelmente desenvolvida pela reação indigesta de se enfiar goela abaixo um modo de ser e estar que sempre ignorou quem aqui estava e aqui está.
Para começar uma mudança na direção antipatriarcal, antirracista e anticapitalista, em suma para deixar de ser colônia, alguns passos podem ser os seguintes:
Devemos agir considerando os dados apresentados pelos relógios da violência contra a mulher brasileira: a cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal.
Aplicar o dito nessa magistral entrevista de Silvio Almeida, na qual ele fala sobre o racismo estrutural da sociedade.
Conhecer o que se passa com o uso do solo em todo o país e influenciar tais decisões, o projeto MapBiomas apresenta as mudanças recentes.
Para compreender mais como esses aspectos além de revolucionários se relacionam com as geociências, leia o texto da Talita.
Será que sabendo do espinho e da tinta que nos marcam podemos mirar o verde das folhas rumo à esperança de redescobrir o Brasil?
Para esta missão, sugiro viajar entre os espaços internos e externos cotidianos, e pelos cantinhos do país quando a pandemia passar. Calibre o olhar de viajante e perceba onde se esconde o novo, que por muito tempo esteve sufocado ou que ainda está por surgir.

Parque Nacional da Chapa dos Veadeiros. (Foto: Bárbara Zambelli)
[Nota da editora: Esse artigo expressa a opinião pessoal da autora. Essas opiniões não necessariamente refletem um posicionamento oficial d’a_Ponte]

Júlia Benfica é curiosa e criativa, talvez por isso caminhe entre ciências e artes. Nasceu em Belo Horizonte, morou em Brasília e hoje está em Piracicaba, e ainda transita entre esses locais, e muitos outros. É graduada em Engenharia Florestal pela Universidade de Brasília, mestre em Geografia pela Universidade de Minas Gerais e doutoranda em Ecologia Aplicada na Universidade de São Paulo. Busca a sinergia entre os seres e acredita no fazer coletivo como elaborador do bem comum.