revista conexão de saberes
n.3 novembro 2020 - "antes fosse mais leve a carga"
O início do século XXI foi marcado pelo crescimento da indústria mineral brasileira, impulsionada pelo “boom das commodities”. O resultado desse “pós-boom” da extração mineral foi o alteamento sistemático de várias barragens de rejeito e, consequentemente, do volume de sedimentos nelas contidos. Com a queda do preço das commodities, as mineradoras aumentaram o ritmo da exploração para manter o lucro dos acionistas. Ao mesmo tempo, houve uma redução significativa no investimento em segurança de barragens.
Minas Gerais conheceu ao menos dois desfechos similares dessa mesma história. O primeiro ocorreu em 5 novembro de 2015, com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, sob responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Esse, o maior crime ambiental da história desse país, resultou na morte de 19 pessoas, além do despejo de cerca de 33 milhões de toneladas cúbicas de rejeito de mineração de ferro na cabeceira da bacia do Rio Doce, o segundo rio mais importante de Minas. O segundo grande desastre-crime ocorreu em 25 de janeiro de 2019, quando a Barragem da Mina do Córrego do Feijão, também de responsabilidade da Vale, se rompeu, liberando 13 milhões de m³ de rejeito, matando 245 pessoas e deixando 25 desaparecidas.
Quantas pessoas sem nome, quantas pessoas sem voz?
Morreu debaixo da lama, morreu debaixo do trem?
Ele era filho de alguém, e tinha filho e mulher?
Isso ninguém quer saber, com isso ninguém se importa.
“Dor. Perda. Corte. Ruptura. Desolação. Inconformismo. Medo. Raiva. Silêncio.” “Como são retratadas as dores nos jornais? A quem se dá voz quando se retrata uma tragédia de tamanha magnitude? Quem se torna protagonista?” O que circula pela mídia hegemônica hoje, 5 de novembro de 2020, quando rememoramos, pela presente revista, os 5 anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana?!
Apesar da narrativa midiática hegemônica veicular as “reparações, acordos e indenizações” feitas pela Vale aos atingidos pelos rompimentos, pouco espaço de voz é dado à população.
Soma-se a isso a construção de um Memorial às vítimas do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, financiado pela mesma mineradora responsável por essa e tantas outras barragens que compõem o campo minado que é o estado de Minas Gerais. Esse memorial faz parte do verniz que tenta apagar o emblemático rejeito marrom-avermelhado que manchou lugares, vidas e memória, e que, segundo eles, permitirá que a “lama saia de nossos corações”. Sairá?
Com o objetivo de analisar, a partir de uma perspectiva crítica, as narrativas hegemônicas produzidas sobre os desastres-crime da Vale, trazemos um breve material, em parceria com o CRIAB (Grupo de Pesquisa e Ação em Conflitos, Riscos e Impactos Associados a Barragens - Unicamp), que aborda as disputas em torno dos territórios e da memória.
Plante a semente: espalhe a palavra!
Nessa edição você encontra:
- o paradoxo da essencialidade
- mineração e território: lutas e resistências
- a dor da gente não sai no jornal
- sustentabilidade na vale: teoria e prática
- subjetividade e discurso: o memorial para as vítimas de brumadinho, uma leitura possível
... além de fotos e poesias